Os
cinco primeiros livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e
Deuteronômio) costumam ser chamados de “a Lei” ou “o Pentateuco” (do grego pentateuchos ou “[livro] de cinco
volumes”). Esses livros constituem a primeira a mais importante seção do Antigo
Testamento, tanto na Bíblia hebraica quanto na cristã. A divisão tripla da
Bíblia hebraica em Lei, profetas e Escritos já aparece no Novo Testamento (Lc 24.44)
e no prólogo do livro apócrifo de Eclesiástico (Siraque) (c. 130 a.C). A
divisão do Antigo Testamento (a Septuaginta; c. 150 a.C.) também reserva o
lugar de honra para o Pentateuco.
AUTOR E DATA
O
uso das designações “Livro de Moisés” (2 Cr 25.4; Ne 13.1), “Livro da Lei de
Moisés” (Ne 8.1), “Lei do Senhor” (2 Cr 35.26; Ed 7.10), “Livro da lei do
Senhor” ( 2 Cr 17.9; Ne 9.3), “Livro da Lei de Deus” (Ne 8.18) se restringe, em
sua maior parte, aos escritos pós-exílio. (Não se sabe ao certo se a “Lei [de
Moisés]” nos livros mais antigos se refere ao Pentateuco ou a partes do mesmo
[p. ex., Js 1.8; 8.34;2 Rs 14.6; 22.8]). O Novo testamento emprega nomes
semelhantes para o Pentateuco (Mt 12.5; Mc 12.26; Lc 16.16; Jo 7.19; Gl 3.10).
A atribuição dos livros a Moisés ressalta a autoridade do Pentateuco, sendo
indicada não apenas pelas designações mencionadas acima que levam o seu nome,
mas também pelas palavras de Jesus: “Moisés... escreveu a meu respeito” (Jo
5.46). Lucas afirma a autoria mosaica ao registrar que Jesus explicou as
Escrituras “começando por Moisés” (Lc 24.27) e muitos outros autores e
personagens do Novo Testamento fazem o mesmo (Mt 8.4; 19.7-8; Mc 1.44; 7.10;
10.3-4; 12.19,26; Lc 16.29,31; 24.44; Jo 1.45; 8.5; At 15.21; 26.22; 28.23; Rm
10.5,19; 2 Co 3.14-15). O próprio Pentateuco fala da contribuição fundamental
de Moisés para a sua redação: ele escreveu o código legal, o Livro da Aliança
(Êx 24.3-7) e a exposição da lei registrada no livro de Deuteronômio (DT
31.24-26).
Nos
dois últimos séculos, porém, quase todos os interpretes que não aceitam o
testemunho da Bíblia acerca da sua autoria atribuem a redação final a editores
pós-exílio que reuniram de modo criativo pelo menos quatro documentos
literários anteriores. Essa visão é conhecida como hipótese documentária.
Tomando por base elementos como variações do nome divino (p. ex., “Deus” [Elohim] e “Senhor” [Yahweh]), vocabulário (p. ex., termos hebraicos diferentes para
“serva), histórias repetidas (p. ex., situações de perigo envolvendo matriarcas
[Gn 12.10-20; 20.1-19; 26.1—11]), leis (p.ex., quanto à Páscoa [Êx
12.1-20,21-23; Dt 16.1-8]), e variações teológicas, esses estudiosos consideram
o Pentateuco, essencialmente, uma combinação de narrativas javistas (J; c. 950
a.C.); narrativas eloístas (E; c. 850 a.C.); do documento deuteronômico,
principalmente Deuteronômio (D; c. 622 a 587 a.C.); e do documento sacerdotal
(P, do alemão “Priesterschrift”; c.
500 a.c.). Na segunda metade do século 20, esse ponto de vista passou por modificações
significativas. Com base na forma literária e em evidências arqueológicas,
tornou-se claro que todos os documentos citados continham textos muito mais
antigos, alguns dos quais do tempo de Moisés. Hoje em dia, aqueles que defendem
a hipótese documentária acreditam que os escritores J, E, D e P não foram
autores, mas sim editores que reuniram e organizaram textos mais antigos. Em
tempos mais recentes, vários estudiosos reconhecem a presença desses supostos
documentos do Pentateuco, mas questionam o objetivo e os métodos que levaram à
identificação dessas fontes e expressam admiração diante da estrutura unificada
do pentateuco.
Considerar
Moisés o autor do Pentateuco corresponde a afirmar que ele foi a sua fonte e
autoridade fundamental e que, em sua maior parte, os livros do pentateuco foram
redigidos originalmente no tempo de Moisés e nas formas que existem hoje. No
entanto, devemos admitir que, em conformidade com práticas conhecidas do antigo
Oriente próximo, Moisés usou fontes literárias. Em algumas ocasiões, essas
fontes claramente identificadas (p. ex., Gn 5.1; Nm 21.14); outras vezes, podem
ser inferidas por mudanças nos estilos literários (cf. Gn 1.1-2.3 com Gn
2.4-2.25). Profetas inspirados posteriores que sucederam Moisés na mediação da
palavra de autoridade de Deus (cf. Dt 18.15-20), atualizaram o texto com termos
linguísticos e históricos e acrescentaram conteúdo, como Gn 36.31 (veja
“Introdução ao Gênesis”) e o relato da morte de Moisés (Dt 34.1-12).
UNIDADE
O
Pentateuco é tanto uma combinação de livros individuais como uma narrativa
contínua e que apresenta uma história completa desde a criação até a morte de
Moisés. A leitura dos seus livros sob apenas uma dessas óticas geraria
distorções do seu texto. Por um lado, a seu modo, cada livro orientou Israel no
êxodo do Egito rumo à conquista de Canaã. Gênesis se distingue em função do seu
enfoque literário singular sobre os primórdios e o período patriarcal, criando
assim o pano de fundo para o êxodo e a conquista. Êxodo destaca a liderança de
Moisés, a lei e o tabernáculo; Levítico é claramente um manual sacerdotal para
o culto em Israel; Números focaliza Israel como exército do Senhor marchando em
direção a Canaã; e Deuteronômio é constituído de três discurso de Moisés nas
campinas de Moabe, nos quais ele explica a lei e dirige uma renovação da
aliança.
Ao
mesmo tempo, os livros são ligados de modo a formar uma narrativa contínua.
Êxodo, por exemplo, é ligado a Gênesis pela referência ao número de israelitas
que foram para o Egito (GN 46.26,27; Êx 1.1). Na ocasião do êxodo, Moisés cita
o pedido de José para que os israelitas levem seus ossos embora do Egito quando
Deus os libertar (Gn 50.25: Êx 13.19). Lv 1-9 pode ser lido praticamente como
um apêndice de Êx 25-40. O último texto legitima a construção do tabernáculo
enquanto o primeiro autentica o seu ritual. O culto de ordenação dos sacerdotes
é esboçado em Êx 29, mas só é realizado em Lv 8-9. As restrições alimentares de
Levítico são baseadas no relato de Êxodo e Levítico. Partes extensas das
narrativas desses três livros centrais do Pentateuco se passam no deserto do
Sinai e os livros apresentam prescrições litúrgicas e interesses semelhantes.
No início do seu primeiro discurso em Deuteronômio, Moisés resume a história de
Israel desde do Sinai até Moabe, seguindo o registro de Números e, no seu
segundo discurso, se refere com frequência a Êxodo, chegando a repetir apenas
com ligeiras modificações tanto os Dez mandamentos quanto a respeito de Israel
(Êx 20; Dt 5).
TEMA
O
Pentateuco é, em sua maior parte, uma mistura de História e lei, temas que não
são desconexos uma vez que o relato histórico explica a lei. A lei sobre a
circuncisão, por exemplo, é dada no relato em que Deus anuncia a sua aliança
com Abraão e Sara (Gn 17.9-14), e a transgressão do sábado é caracterizada como
ofensa capital no relato sobre o homem que juntou lenha neste dia (Nm
15.32-36). No entanto, como foi observado acima, a história mais ampla do
Pentateuco relaciona as alianças de Deus com os patriarcas, o livramento
posterior dos seus descendentes – agora uma nação – do Egito, e a obrigação
dessa nação de guardar as leis de Deus descritas na aliança com a qual todo o
povo concordou no Sinai e que Moisés explicou em Deuteronômio (Dt 6.20-25).
Gênesis
termina com o caixão de José no Egito (Gn 50.26); Êxodo, com a nuvem de glória
do Senhor sobre o tabernáculo no deserto do Sinai (Êx 40.34-38); Levítico, com
a síntese, “São estes os mandamentos que o Senhor ordenou a Moisés, para os
filhos de Israel, no monte Sinai” (Lv 27.34); Números, com uma síntese
parecida, mas agora “nas campinas de Moabe” (Nm 36.13); e Deuteronômio, com o
sepultamento de Moisés em Moabe e sua sucessão por Josué (Dt 34). Essa
progressão espacial e temporal do Egito para o Sinai e de lá até Moabe remete
ao chamado de Abraão para deixar sua terra natal, Ur dos caldeus, e à oferta de
Deus de transformar sua descendência numa grande nação em sua própria terra,
usando-a para abençoar todas as outras nações do mundo (Gn 12.1-3). O
Pentateuco é uma história das alianças da graça de deus que, em seus
desdobramentos, formaram uma nação sacerdotal e santa que levaria à salvação a
todos os outros povos.
Gênesis
se concentra nas alianças de Deus com os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, nas
quais Deus promete fazer de sua família uma grande nação. A narrativa de Êxodo
até Deuteronômio trata de Moisés, o fundador dessa nação, e da aliança divina
mediada por ele na qual Deus promete fazer de Israel uma nação santa. Essas
histórias e alianças se cumprem em Cristo e na nova Israel à medida que Deus
dirige a História até o seu destino final.
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Notas
da Bíblia de Estudo de Genebra. Cultura Cristã, 2ª Edição Revisada e Ampliada,
p. 3-4.
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