sábado, 13 de outubro de 2018

AS OBRAS DE JOÃO CALVINO - Volume 1 [Resenha]



CALVINO, João. As Obras de João Calvino – volume 1. Recife, PE. CLIRE – Centro de Literatura Reformada. 2017. 411p. 

Este é o volume 1 e é composto por duas obras: (1) A necessidade de reformar a igreja escrito em 1543 que veio a ser considerado por muitos como a melhor apresentação da causa reformada já escrita. (2) Psicopaniquia, escrito em 1534, e que se constitui em sua primeira obra de cunho teológico. Psicopaniquia é uma expressão grega que faz referência ao sono da alma. Falar de Estado Intermediário em Calvino, portanto, é falar de Psicopaniquia. 

Temos ainda a Introdução escrita pelo Rev. Herminsten Maia Pereira da Costa, intitulado “João Calvino: um servo do Deus da Glória na edificação da igreja; “Para Calvino, todo o pensar teológico está conectado com a piedade. A teologia envolve toda a nossa mente, coração e vontade. Por isso, o objetivo de um teólogo não pode se deleitar o ouvido, mas sim confirmar a consciência ensinando a verdade e o que é certo e proveitoso. A sua teologia nada mais é do um que esforço para comentar as Escrituras; por isso sua obra pode ser corretamente chamada de uma teologia bíblica, escrita por um teólogo sistemático que tão bem sabia utilizar os recursos da exegese e da hermenêutica, dispondo tudo isso de forma erudita e devocional. Por isso a história dos Comentários Bíblicos de Calvino e das sucessivas edições da Institutas da Religião Cristão se confundem e se completam. A sua exegese era teologicamente orientada e a sua teologia estava amparada em uma sólida exegese bíblica.” [p.18-19] 


A NECESSIDADE DE REFORMAR A IGREJA [1] 

Em 1543, o reformador de Estrasburgo, Martin Bucer, pediu a João Calvino para escrever uma defesa da Reforma, para apresentar ao imperador Carlos V na dieta imperial definida para se encontrar em Espira, em 1544. Bucer sabia que o imperador católico romano estava cercado por conselheiros que estavam difamando os esforços para a reforma na igreja, e ele cria que Calvino era o ministro mais capaz para defender a causa protestante. 

Calvino aceitou o desafio e escreveu uma das suas melhores obras: “A Necessidade de Reformar a Igreja”. Esse tratado substancial não convenceu o imperador, mas chegou a ser considerado por muitos como a melhor apresentação da causa reformada já escrita. 

Calvino começa observando que todos concordavam que a igreja tinha “doenças numerosas e graves”. Calvino argumenta que as coisas eram tão sérias que os cristãos não podiam tolerar um “maior atraso” para a reforma ou esperar “remédios lentos”. Ele rejeitou a questão controversa de que os reformadores eram culpados de “inovação imprudente e ímpia”. Ele insiste que “Deus levantou Lutero e outros” para preservarem “a verdade da nossa religião”. Calvino viu que os fundamentos do Cristianismo estavam ameaçados e que apenas a verdade bíblica renovaria a igreja. 

Calvino tem em vista quatro grandes áreas da vida da igreja que precisavam de reforma. Essas áreas formam o que ele chama de alma e corpo da igreja. A alma da igreja é composta da “adoração pura e legítima a Deus” e da “salvação dos homens”. O corpo da igreja é composto do “uso dos sacramentos” e do “governo da igreja”. Para Calvino, essas questões estavam no centro dos debates da Reforma. São questões essenciais para a vida da igreja e só podem ser entendidas corretamente à luz do ensino das Escrituras. 

Podemos nos surpreender que Calvino tenha estabelecido a adoração a Deus como a primeira das questões da Reforma, mas esse era um tema consistente dele. Anteriormente, ele escrevera ao cardeal Sadoleto: “Não há nada mais perigoso para a nossa salvação do que uma adoração absurda e perversa a Deus”. A adoração é onde nos encontramos com Deus, e esse encontro deve ser conduzido pelos padrões de Deus. Nossa adoração mostra se aceitamos verdadeiramente a Palavra de Deus como nossa autoridade e nos submetemos a ela. A adoração criada pelo ego é tanto uma forma de justiça pelas obras quanto uma expressão de idolatria. 

Em seguida, Calvino voltou-se para o que muitas vezes pensamos ser a maior questão da Reforma, ou seja, a doutrina da justificação: Nós sustentamos que, não importa quão grandes sejam quaisquer obras do homem, ele é considerado justo diante de Deus simplesmente com base na misericórdia gratuita; porque Deus, sem qualquer consideração às obras, o adota livremente em Cristo, imputando-lhe a justiça de Cristo, como se fosse sua. A isso chamamos justiça da fé, ou seja, quando um homem, sendo removido e esvaziado de toda a confiança nas obras, se sente convencido de que o único fundamento da sua aceitação por Deus é uma justiça que falta a si mesmo e é emprestada de Cristo. O ponto em que o mundo sempre se desvia (pois esse erro prevaleceu em quase todas as épocas) consiste em imaginar que o homem, por mais parcialmente defeituoso que seja, ainda merece em alguma medida o favor de Deus por meio das obras. 

Essas questões fundamentais que formam a alma da igreja são apoiadas pelo corpo da igreja: os sacramentos e o governo da igreja. Os sacramentos devem ser restaurados aos puros e simples significado e uso dados na Bíblia. O governo da igreja deve rejeitar toda a tirania que prende as consciências dos cristãos de modo contrário à Palavra de Deus. 

Ao olhar para a igreja em nossos dias, podemos bem concluir que a reforma é necessária — na verdade, é exigida — em muitas das áreas com as quais Calvino estava tão preocupado. Somente a Palavra e o Espírito de Deus finalmente reformarão a igreja. Mas devemos orar e trabalhar fielmente para que tal reforma ocorra em nosso tempo. 


PSICOPANIQUIA [2]

1. Contexto Histórico.

Antes de sair da França devido às perseguições, Calvino escreve sua primeira obra de cunho teológico – Psicopaniquia. Trata-se de sua obra mais específica sobre o assunto. Psicopaniquia é uma expressão grega que faz referência ao sono da alma. Falar de Estado Intermediário em Calvino, portanto, é falar de Psicopaniquia. 

Diferente de sua primeira obra (edição comentada do livro de Sêneca, De Clementia), aqui Calvino preza pela exposição da Palavra e rejeita a especulação filosófica reconhecendo suas limitações quando o assunto é "alma" – sua origem e natureza.

A obra é datada de 1534, ou seja, é a primeira obra de cunho teológico do pastor de Genebra. A despeito disso, é, sem dúvidas, a obra mais negligenciada por seus estudiosos. Pouco se comenta (informalmente) e muito menos se escreve sobre ela. Talvez a única obra que temos disponível em inglês especificamente sobre Psicopaniquia é The Starting Point, de George H. Tavard.

Uma questão que surgem quando o assunto envolve Psicopaniquia é: Quem era realmente o escritor de Psicopaniquia? Era católico? Reformador? Sobre essa questão ficamos com as considerações de McGrath:

[…] a evidência não aponta para qualquer rompimento fundamental nessa fase como o que Calvino iria posteriormente designar como "as superstições do papado". Ele era adepto da Reforma, a esta altura compartilhando um ponto de vista já associado a muitos dentro da igreja francesa; não há, contudo, qualquer pista de um rompimento com essa Igreja. Calvino "ainda usava a máscara de um católico", […] "não pregava, orava, ou adorava de qualquer forma que fosse contrária aos costumes católicos". Além disso, a obra Psychopannychia não contém qualquer polêmica anticatólica. É difícil encontrar, mesmo que apenas um traço, de que a obra tenha sido escrita por um jovem recentemente convertido dos erros de seus anteriores costumes católicos [3]

Sobre essa fase da vida do grande reformador, Ronald Wallace cita o próprio Calvino: "Antes que houvesse passado um ano, todos os que tinham qualquer desejo por pura doutrina estavam continuamente vindo até mim para aprender, ainda que eu mesmo me sentisse como um mero noviço e um principiante" [4]. A despeito da incerteza de sua conversão e de sua imaturidade, o conteúdo da obra foi confirmado pelo próprio Calvino visto ter sido publicada em 1542.


2. Um Resumo 

Como um excelente exegeta, Calvino preocupa-se em começar estabelecendo o significado das expressões envolvidas. Primeiramente ele reconhece a variação de significado na terminologia "sono da alma". Há os que admitem um estado de insensibilidade entre a morte e o dia do julgamento quando se dará o despertar do sono. Outros, contudo, negam a "real existência" da alma neste período entendendo que a alma perece com o corpo até o dia em que será ressuscitada com ele. Em resposta a essas visões, Calvino assegura que a alma é "uma substância, e após a morte do corpo vive verdadeiramente sendo dotada de sentido e entendimento". 

Antes de tratar diretamente com os textos envolvendo a existência pós-morte, Calvino trata com elementos pressupostos na análise dos textos (e.g., alma, espírito, imagem de Deus). No tocante a "alma" e "espírito" sua preocupação se dá primeiramente em reconhecer que o campo semântico de ambos os vocábulos é lato. Esse reconhecimento é importante primeiramente por uma questão de metodologia exegética, mas Calvino a reconhece também devido ao fato de que a falácia dos seus oponentes está exatamente em se tomar o "primeiro significado" e aplicá-lo rápida e obstinadamente em todas as outras passagens.

Sobre o uso de "alma" como "vida", Calvino entende tratar-se de uma metonímia visto que "a alma é causa da vida, e a vida depende da alma". Com Salmo 49.19; 1 Samuel 11.11 ele mostra que esse não pode ser único o significado do vocábulo. Reconhece outros significados como "existência humana" (Ex. 1.5; Ez. 28.4; Lv. 20.6) e "sopro" (2Sm. 1.9; At. 20.10; 1 Re. 17.21).

Quanto ao "espírito", "literalmente 'sopro' e 'vento', e por essa razão é freqüentemente é chamado pnoh, [vento] pelos gregos"; pode se referir a "algo vão", "indigno" (Is. 26.18); "o que é regenerado pelo Espírito de Deus" (Gl. 5.17). Sobre o uso dos termos (alma e espírito) juntos Calvino entende que "'alma' significa 'vontade' e 'espírito', 'intelecto'". Calvino preza pela distinção do espírito com o corpo.

Tratada a questão da alma e do espírito, o reformador passa a abordar a "imagem de Deus no homem". Calvino assegura que não se trata de "imagem corporal", pois a declaração "façamos…" no texto bíblico é uma referência a um diálogo dentro da Trindade, que por sua vez, é realizado por seres espirituais. Também não se trata da capacidade de domínio sobre os outros seres. Do relato da criação, Calvino afirma que a imagem de Deus é separada da carne. Para Calvino, nada pode sustentar ou carregar a imagem de Deus que não o espírito, pois Deus é Espírito[9]. A sede ou base da imagem de Deus, portanto, está no espírito.

Pensando na imortalidade da alma, Calvino cita Mt. 10:28 como prova de que a alma sobrevive a morte. Em suas palavras, "ou a alma sobrevive ao corpo, ou é falso dizer que tiranos não tem poder sobre a alma". Em resposta aos seus oponentes que diziam que a alma é assassinada com o corpo, porém perece visto que ressurgirá, Calvino diz: "eles devem admitir que nem o corpo é assassinado, visto que também será ressurreto".

O texto segue com interpretações de incontáveis passagens para o entendimento do estado intermediário.

RECOMENDO
Livro disponível in:

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[1] Boa parte deste é uma transcrição do texto disponível in:
[2] No blog tem um estudo completo sobre este assunto.
[3] MCGRATH, Alister. A Vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 91.
[4] WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma: um estudo sobre Calvino como reformador social, clérigo, pastor e teólogo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 20.

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