sábado, 11 de agosto de 2018

O HOMEM ETERNO [Resenha]


CHESTERTON, G. K. O Homem Eterno. Traduzido por Almiro Pisetla. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2010. 326p. 

O Homem Eterno apresenta uma refutação racional, baseada em puro bom senso, da linha mestra da história geral que nos é ensinada há pelo menos um século, talvez mais. Ela vira de ponta cabeça nossas ideias sobre a pré-história, a antiguidade, mitologia, filosofia, religião, Império Romano, modernidade e, principalmente, o papel que os cientistas sociais tiveram em formular as teorias mais absurdas, que compramos como se fossem as coisas mais óbvias da vida. 

Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), escritor londrino, foi um dos maiores defensores do cristianismo em uma época que o ateísmo era uma tendência entre intelectuais. O progresso técnico e o desenvolvimento científico - principalmente após a Revolução Industrial, no século 18 - despertaram no homem um sentimento de controle da natureza e de independência. As críticas à doutrina e aos mistérios do cristianismo não era novidade entre os filósofos. O pensamento estava presente em iluministas como Voltaire (1694-1778). O mundo se deparava com ideias de Friedrich Nietzsche (1844-1900), Sigmund Freud (1856-1939) e Charles Darwin (1809-1882), um período de afirmações polêmicas e chocantes. Foi nesse cenário que Chesterton defendeu a fé e a existência de Deus. O autor exerceu grande influência e chegou a debater o assunto com Bertrand Russell (1872-1970), o ateu mais famoso e ativo da filosofia contemporânea. 

Esta obra teve um impacto profundo na conversão de C.S.Lewis: “li O Homem Eterno de Chesterton e pela primeira vez vi toda a concepção cristã da história exposta de uma forma que parecia ter sentido”. C. S. Lewis escreveu ainda: “Seu humor era do tipo que eu mais gosto – sem “piadas” inseridas numa página como passas num bolo, e menos ainda num tom comum (o que não suporto) de frivolidade e jocosidade” [1]

Um outro fato muito interessante acerca desse livro é o foi uma influência marcante sobre C. S. Lewis, que havia descoberto Chesterton durante a Primeira Guerra Mundial, enquanto se recuperava num hospital de campanha, na França. Pouco depois foi a obra seminal de Chesterton, O Homem Eterno, que permitiu a Lewis enxergar o panorama de história Cristã que estava colocado diante dele de uma forma que fizesse sentido, uma epifania que foi um marco significativo na jornada de Lewis para a conversão Cristã. Foi, todavia, aquela famosa “longa conversa noturna” entre Lewis, J. R. R. Tolkien e Hugo Dyson em setembro de 1931 que se provou decisiva para a aceitação do Cristianismo por parte de Lewis. O tópico daquela “conversa noturna” foi o que eu chamo de “ a filosofia do mito de Tolkien”, uma compreensão da inestimável verdade a ser descoberta nos mitos e contos de fadas. Foi essa filosofia subjacente que daria forma aos trabalhos de Lewis e Tolkien nos anos que se seguiriam, e desse modo abençoaram a civilização com jóias literárias, tais quais O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Narnia. Embora essa “conversa noturna” seja merecidamente celebrada por ter semeado as sementes de tão belos frutos literários, não é tão amplamente sabido que a “filosofia do mito de Tolkien” é ela mesma um fruto das sementes plantadas por Chesterton na sua obra Ortodoxia, publicada em 1908, quando Tokien tinha dezesseis anos de idade. [2] 

Esta resenha será bem peculiar, pelo fato de que não farei uma análise capítulo a capítulo como costumeiramente faço. Por que? Pelo fato de que tenho em mãos um livro em que um assunto de um capítulo é argumentado em todos os outros. Por isso, resolvi escrever acerca dos assuntos que o livro expõe e acrescentei algumas notas explicativas para que o sentido do texto pudesse ser melhor entendido 


Este livro está dividido em duas partes. 

A PRIMEIRA PARTE tem como título “da criatura chamada homem”, composta por oito capítulos. Nesta primeira parte ele traça uma linha histórica do homem. 

Nessa linha histórica ele começa pelo “homem da caverna” [cap.1] até “o fim do mundo” ou “o homem moderno” [cap.8]. Nessa trajetória percebe-se o teor apologético do livro, pois ele refuta ideais evolucionistas e ateístas, faz uma análise do desenvolvimento do paganismo e da mitologia, aborda a imaginação fértil dos antropólogos, que inferem mais do que podem sobre o homem pré-histórico, analisa as primeiras civilizações, descompara as tentativas inúteis dos “estudiosos” de “religião comparada”. Ainda nesta trajetória, vemos a construção histórica, antropológica, filosófica, mitológica e, de certa forma, teológica do homem. Mas, como o próprio autor diz, de uma forma popular. Não se aprofunda nos termos científicos ou filosóficos que seriam pouco interessantes. 

A SEGUNDA PARTE - A segunda parte, tem como título “do homem chamado Cristo” que possui seis capítulos. Tem ainda dois apêndices. Apêndice 1 sobre o homem pré-histórico e o apêndice 2 sobre autoridade e exatidão. 

Em uma análise igualmente crítica e inteligente, Chesterton desconstrói as tentativas de explicar naturalmente a origem a preservação do cristianismo até os dias de hoje. Ele trabalha a comparação entre o mártir e o suicida ficar clara. O suicida é o paganismo; ele vive de uma eterna consumação de seus devaneios, como Chronos a devorar sua prole. Ele anda em círculos. Ainda mais evidente quando Chesterton analisa as mitologias orientais; o budismo, o confucionismo, o hinduísmo. Todas essas mitologias possuíam algo que já tinha sido visto antes. O mártir é o cristianismo; Ele veio ao mundo que criou, sabendo que morreria nessa terra. Revirou cada partícula dessa terra purulenta de racionalismo, individualismo, liberalismo, cientificismo e outras gnoses ao se tornar a resposta que o paganismo tanto procurara. O paganismo honesto foi uma busca, como Jasão e os argonautas buscando um objeto místico. O Cristo veio para dizer a todas as criaturas: eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. 


Vamos ao conteúdo do livro: 

A QUESTÃO DO PAGANISMO - Sobre o paganismo ele afirma que é inegável não seja humano; mais do que isso: ele é a maior criação humana. Ele nasce da mitologia. Mitologia é busca. O homem passou a existência buscando. Desde o homem que pintava nas cavernas para representar algo que, podemos supor, fosse um ritual religioso ou um avanço nas teorias existenciais até a construção de monumentais pirâmides e guerras épicas, o paganismo foi uma tentativa de buscar a verdade. O homem pagão tentava explicar a origem do sol e da lua com a honesta alusão de dois filhos de um deus ou um herói que fora divinizado por bravos feitos em épocas bem longínquas. Os gregos com sua filosofia, os romanos com seus heróis e os judeus com seu monoteísmo; todos os homens honestos que andaram sobre essa terra falavam mitologia. 

Mas algo não estava certo; as civilizações, principalmente na Ásia, estavam sincretizando deuses e demônios, para o seu bel prazer em prol de uma resposta que agradasse a todos e a tudo. A decadência do paganismo caíra num segundo paganismo: do culto ao antinatural. Chesterton expõe isso numa ilustração muito bem feita: as tribos canibais não comiam crianças e jovens guerreiros porque eram menos civilizados; eles o faziam porque eram demasiado civilizados. Haviam acreditado em tanta coisa que cultuavam o que não era natural apenas pelo prazer de sê-lo. 

A luta entre o paganismo bom, aquele que se expressa com mitos, e esse paganismo hostil e pestilento é ilustrada no episódio das guerras púnicas. Sob a ótica do autor, Cartago acreditou que seu dinheiro lutaria quando os homens não mais lutariam. Os soldados cartagineses varreram as hordas romanas e o mundo parecia que nunca mais veria um culto decente à Júpiter ou Saturno. Mas Cartago ignorou algo que o paganismo tem que, como fosse da providência divina, permitiria que o cristianismo construísse um novo mundo, a mesma ideia que Virgílio narra em seus poemas e que faz todos termos compaixão e paixão pela queda de Heitor e repulsa pela vitória de Aquiles: a ideia da nobreza em um herói caído. Do martírio. Roma estava morta e ressuscitou. 

Eu seria desonesto se dissesse que Chesterton aniquilou o paganismo de vez. Ele nos deixou ferramentas para tal. Mas, mais do que isso, ele pôs uma cisão eterna: o paganismo foi a maior criação humana e o cristianismo é maior que o paganismo. É conclusão matemática dizer, portanto, que o cristianismo é maior que a humanidade, e ao mesmo tempo é o que tornou os homens, homens de fato. 


O HOMEM NA CAVERNA – Chesterton, com seu estilo humorado, mostra que a história do homem das cavernas é muito mal contada: 

Sempre nos dizem, sem explicações ou argumentos e autoridade, que o homem primitivo brandia um porrete e derrubava a mulher antes de levá-la embora. Mas, com base na analogia com todos os animais, pareceria um recato e relutância quase mórbidos, por parte da madame, sempre insistir em ser derrubada antes de consentir em ser levada embora. E repito que nunca consegui compreender por que, quando o macho era tão rude, a fêmea deveria ser assim tão refinada. O homem das cavernas talvez tenha sido um bruto, mas não há motivo para ele ter sido mais bruto que os brutos. E os amores das girafas e os romances fluviais dos hipopótamos ocorrem sem nada desse estardalhaço ou tumulto preliminares. O homem das cavernas talvez não tenha sido melhor que o urso das cavernas; mas a filhotinha do urso, tão celebrada na hinologia, não é treinada com nenhuma dessas tendências para a condição de solteirona. Em resumo, esses detalhes da vida doméstica das cavernas me intrigam tanto com base na hipótese revolucionária quanto com base na hipótese estática; seja como for, gostaria de analisar suas provas, mas infelizmente nunca consegui descobri-las. [p.28] 


[...] O que se descobriu na caverna não foi um porrete, o horrível porrete com manchas de sangue e marcas entalhadas indicando o número de mulheres golpeadas por ele na cabeça. A caverna não era um aposento de Barba-azul repleto de esqueletos de mulheres abatidas; não estava repleta de crânios femininos enfileirados e todos rachados como ovos. [p.28-29] 

[...] Os antigos poetas épicos pelo menos sabiam contar uma história, talvez uma história inacreditável, mas nunca uma história distorcida, nunca uma história torturada e deformada para adaptar-se a teorias e filosofias inventadas séculos mais tarde. Seria bom que os investigadores modernos descrevessem suas teorias no despojado estilo narrativo dos primeiros viajantes, sem nenhuma dessas longas palavras alusivas repletas de implicações e sugestões irrelevantes. Então talvez conseguíssemos descobrir o que de fato sabemos sobre o homem das cavernas ou, de qualquer modo, sobre a caverna” [p.29]. 

Na verdade, a Bíblia não usa o termo “homem da caverna” ou de “Neanderthal”. De acordo com a Bíblia, não existe algo como homem “pré-histórico”. O termo “pré-histórico” significa “pertencente a uma era anterior aos tempos históricos”. Pressupõe que a narrativa bíblica é uma fabricação porque o livro de Gênesis recorda eventos que antecedem a criação do homem (quer dizer, os primeiros cinco dias da criação – o homem foi criado no sexto dia). A Bíblia é bem clara ao dizer que Adão e Eva eram seres humanos perfeitos no momento de sua criação e que não se desenvolveram em nenhum sentido de formas de vida inferiores. 

Tendo dito isso, a Bíblia descreve um período traumático de reviravolta aqui na terra (o Dilúvio – Gênesis capítulos 6-9), durante o qual toda a civilização foi destruída por completo – com exceção de oito pessoas: Noé e sua família – e os homens foram forçados a recomeçar. É nesse contexto histórico que alguns estudiosos acreditam que homens viveram em cavernas e usaram ferramentas de pedra. Eles não eram primitivos; simplesmente não tinham nada. Certamente eles não eram metade macacos. A evidência fóssil deixa bem claro: os homens das cavernas eram humanos (por isso o termo “homem” das cavernas – homens que viveram em cavernas). 

Chesterton, bate o martelo e afirma que o “homem da caverna” é um mito. 

“Em outras palavras, o homem das cavernas tal qual ele nos é comumente apresentado é apenas um mito, ou melhor, mera confusão; pois um mito tem no mínimo um esquema imaginativo de verdade. Toda essa maneira atual de falar é simplesmente uma confusão e um mal-entendido, que não se funda em nenhuma espécie de evidência científica e é apreciado apenas como desculpa para um estado de espírito anarquista que é muito moderno. Se algum cavalheiro quer bater numa mulher, ele sem dúvida pode ser um grosseirão sem denegrir o caráter do homem das cavernas, acerca do qual não sabemos quase nada a não ser o que se consegue deduzir de algumas inofensivas e agradáveis pinturas numa parede” [p.31].


O HOMEM E AS MITOLOGIAS – Para quem estuda filosofia sabe muito bem que desde os primórdios da sua existência, os seres humanos sempre procuraram maneiras de explicar os fenômenos que se manifestam no mundo. Assim, desenvolveram diferentes maneiras de explicar o mundo a sua volta, criando diferentes formas de conhecimentos tais como os mitos, as religiões e a filosofia. Vejamos as especificidades deles. Os mitos constituem como uma das primeiras formas de conhecimento desenvolvidas pelos homens para explicar os fenômenos naturais e humanos em geral. Baseiam-se, necessariamente, na capacidade dos indivíduos de acreditar em elementos que fantasiam a realidade, ou seja, a alegoria é o elemento a partir do qual o mundo é interpretado pelos mitos. Esta forma de conhecimento integram a tradição de um povo e sua tradição se ocorre de geração em geração através da oralidade. Entre os gregos, por exemplo, fundou-se uma mitologia muito consistente em torno das obras Ilíada e Odisseia, do poeta Homero. 

Quando se afirma que a alegoria é o elemento a partir do qual o mundo é interpretado pelos mitos, Chesterton afirma que a mitologia é poesia e não alegoria. Vejamos como Chesterton refuta as argumentações que tendem a classificar o mito como precursora da religião.

a) Mitologia é poesia e arte - Todo esse assunto mitológico pertence à parte poética dos homens. Requer-se um poeta para criá-lo. Requer-se um poeta para criticá-lo. Há no mundo mais poetas que não-poetas, como se comprova pela origem popular dessas lendas. Mas por alguma razão que nunca vi explicada, apenas a minoria não poética tem permissão de escrever estudos críticos desses poemas populares. Nós não submetemos um soneto a um matemático ou uma canção a um especialista em cálculos; mas acalentamos a ideia igualmente fantástica de que o folclore pode ser tratado como uma ciência. A mitologia é uma arte perdida, uma das poucas artes que estão realmente perdidas; mas é uma arte. [p.107-108] 

b) Mitologia não é alegoria - Os mitos não são alegorias. O teste, portanto, é puramente imaginativo. Mas imaginativo não significa imaginário. Não resulta que seja tudo aquilo que os modernos chamam de subjetivo, e com isso eles querem dizer falso. Todos os verdadeiros artistas, consciente ou inconscientemente, sentem que estão tocando verdades transcendentais; que suas imagens são sombras de coisas vistas através de um véu. Em outras palavras, o místico natural de fato sabe que existe algo ali-, algo por trás das nuvens ou dentro das árvores; mas ele acredita que a maneira de encontrá-lo está na busca da beleza; que a imaginação é uma espécie de encantamento que pode evocá-lo. [p.111] 


O ATEÍSMO – O ateísmo é a doutrina filosófica que admite a não existência de Deus. Segundo o ateísta, não há qualquer prova relativa à realidade de Deus, pois as evidências pressupõem a não existência de qualquer divindade. Com o advento do racionalismo, os filósofos e humanistas seculares passaram a considerar o conhecimento religioso como uma espécie de conhecimento mítico, necessário à humanidade enquanto esta ainda estava em sua gênese. De acordo com a epistemologia, o conhecimento religioso cumpria uma função teleológica, isto é, das causas e dos fins. Como o homem primitivo não sabia explicar as causas dos fenômenos físicos, atribuía a essas manifestações da natureza causas metafísicas ou divinas. No entanto, com a ascensão da ciência e do conhecimento não há qualquer necessidade de Deus ou de divindades para explicar os fenômenos físicos ou a existência do universo. 

Como escrevemos acima, no contexto de Chesterton, as críticas à doutrina e aos mistérios do cristianismo não era novidade entre os filósofos. O pensamento estava presente em iluministas como Voltaire, Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud e Charles Darwin. Era um período de afirmações polêmicas e chocantes. Foi nesse cenário que Chesterton defendeu a fé e a existência de Deus. Chesterton chegou a debater o assunto com Bertrand Russell (1872-1970), o ateu mais famoso e ativo da filosofia contemporânea. A resposta ao ateísmo e mostrando a sua anormalidade, Chesterton escreve: 

“Aquela mitologia e aquela filosofia, à luz das quais o paganismo já foi analisado, ambas haviam sido bebidas literalmente até as fezes. Se com a multiplicação da magia o terceiro departamento, que denominamos demônios, estava cada vez mais ativo, ele nunca significou outra coisa que não fosse destruição. Resta apenas o quarto elemento, ou melhor, o primeiro; aquele que em certo sentido fora esquecido por ser o primeiro. Refiro-me àquela primeira, dominante e mesmo assim imperceptível impressão de que o universo no fim das contas tem uma única origem e um único objetivo; e por ter um objetivo deve ter um autor. O que aconteceu nessa época com essa grande verdade no fundo da mente humana talvez seja mais difícil determinar. Alguns dos estoicos sem dúvida viram isso cada vez mais claro à medida que as nuvens da mitologia se abriram e desfizeram; e dentre eles grandes homens fizeram muito lutando até o fim para lançar os fundamentos de um conceito da unidade moral do mundo. Os judeus ainda tinham sua secreta certeza disso ciosamente guardada atrás de altas cercas de exclusividade; no entanto, uma forte característica da sociedade nessa situação é o fato de que algumas figuras em voga, especialmente senhoras, realmente abraçaram o judaísmo. Mas no caso de muitas outras pessoas imagino que nesse ponto surgiu uma nova negação. O ateísmo tornou-se realmente possível nesse tempo anormal, pois o ateísmo é anormalidade. Não é simplesmente a negação de um dogma. É a inversão de um pressuposto subconsciente da alma; a sensação de que existe um significado e uma direção no mundo que ela enxerga. Lucrécio, o primeiro evolucionista que se esforçou para substituir Deus pela evolução, já havia exposto aos olhos dos homens sua dança de cintilantes átomos, com a qual ele concebeu o cosmo sendo criado do caos. Mas não foi sua forte poesia ou sua triste filosofia, imagino eu, que possibilitaram aos homens acalentar essa visão. Foi algo no sentido de uma impotência e um desespero, e com isso os homens ergueram em vão os punhos contra as estrelas, quando viram as mais belas obras da humanidade afundando lenta e fatalmente num lodaçal. Eles poderiam facilmente acreditar que até a própria criação não era uma criação, mas uma perpétua queda, quando viram que as mais sólidas e dignas obras de toda a humanidade estavam caindo devido a seu próprio peso. Poderiam imaginar que todas as estrelas eram estrelas cadentes; e que os próprios pilares de seus solenes pórticos estavam se curvando sob uma espécie de crescente Dilúvio. Para gente naquele estado de espírito havia um motivo para o ateísmo, que em certo sentido é racional. A mitologia poderia desaparecer e a filosofia poderia fossilizar-se; mas, se por trás dessas coisas havia uma realidade, com certeza essa realidade poderia ter sustentado as coisas que iam caindo. Não existia nenhum Deus; se existisse um Deus, com certeza esse era o momento exato para ele agir e salvar o mundo” [p.172-174]. 


HOMOSSEXUALISMO - Chesterton mostra que o problema da homossexualidade como inimiga da civilização é bem antigo. Ele descreve que o culto à natureza e a "simples mitologia" produziram uma perversão entre os gregos. "Da mesma forma que eles se tornaram inaturais adorando a natureza, assim eles de fato se tornaram efeminados adorando o homem". Qualquer jovem, ele diz, "que teve a sorte de crescer de modo sensato e simples" sente um repúdio natural pela homossexualidade porque "ela não é verdadeira nem para a natureza humana, nem para o senso comum". Ele argumenta que, se tentarmos agir indiferentemente em relação a ela, estaremos nos enganando a nós mesmos. É "a ilusão da familiaridade" quando "uma perversão se torna uma convenção". 

“Mas estou apresentando-os como homens com sentimentos de homens; e esses sentimentos não eram fingidos. A verdade é que uma das fraquezas do culto da natureza e da mera mitologia já havia produzido uma perversão entre os gregos, em razão da pior sofistica: a sofistica da simplicidade. Da mesma forma que eles se tornaram inaturais adorando a natureza, assim eles de fato se tornaram efeminados adorando o homem. Se a Grécia conduzisse seu conquistador, ela poderia tê-lo corrompido; mas essas eram as coisas que ele sempre quis desde as origens conquistar — até em si mesmo. É verdade que em certo sentido houve menos desumanidade até mesmo em Sodoma e Gomorra do que em Tiro e Sidom. Quando consideramos a guerra dos demônios contra as crianças, não podemos comparar nem mesmo a decadência grega com o satanismo púnico. Mas não é verdade que a sincera repugnância por uma e por outra coisa seja necessariamente farisaica. Qualquer rapaz que teve a sorte de crescer de modo sensato e simples em seus devaneios amorosos, mais do que chocado, se sentirá enojado ao ouvir falar pela primeira vez sobre o culto de Ganimede.[3] E essa primeira impressão, como tantas vezes já se disse aqui sobre as primeiras impressões, estará certa. Nossa cínica indiferença é uma ilusão, a maior de todas as ilusões, a ilusão da familiaridade.[4] É correto imaginar as virtudes mais ou menos rústicas da plebe dos romanos originais reagindo com total espontaneidade e sinceridade contra a simples menção disso. É correto imaginá-los reagindo, mesmo que num grau menor, exatamente como fizeram contra a crueldade de Cartago. Por ser num grau menor eles não destruíram Corinto como destruíram Cartago. Mas se sua atitude e ação foram bastante destrutivas, em nenhum dos dois casos sua indignação foi mero farisaísmo encobrindo mero egoísmo" [p.163-164]. 


OS ENIGMAS DO EVANGELHO – No capítulo 2 da segunda parte deste livro, Chesterton tenta mostrar como seria um indivíduo se confrontar com os Evangelhos e realmente encontrar o Cristo de lá. Ele não acharia um Cristo que se parece com outros professores morais. O Cristo apresentado no Novo Testamento não é estúpido ou insípido, Ele é dinâmico e inigualável em toda a história. O Cristo dos Evangelhos é cheio de perplexidades e paradoxos. 

Os livres-pensadores e muitos incrédulos, disse Chesterton, criticam às aparentes contradições achadas na Bíblia, especialmente a Cristo. Jesus preveniu seus seguidores de dar a outra face e não se preocuparem com o amanhã. Porém, ele não deu a outra face quando expulsou os vendilhões do Templo e constantemente estava ensinando as pessoas a se prepararem para o futuro. Da mesma forma, a visão de Cristo do matrimônio é sem igual em toda a história. Os judeus, romanos, e gregos não acreditavam ou até mesmo entendiam o bastante para descrer da ideia mística de que o homem e a mulher tinham se tornado uma substância sacramental na união matrimonial. A visão de Cristo do matrimônio não é nem um produto da cultura dele nem mesmo um desenvolvimento lógico da época. É um ensino totalmente estranho e maravilhoso que tem o estigma de ser de outro mundo. 

“Quando Maomé estabeleceu seu compromisso polígamo, o compromisso foi condicionado por uma sociedade polígama. Quando permitiu que um homem tivesse quatro mulheres ele estava de fato fazendo algo adequado às circunstâncias, algo que em outras circunstâncias poderia ser menos adequado” (...) Mas Cristo em sua visão do casamento não sugere de modo algum as condições da Palestina do século I. Não sugere absolutamente nada, a não ser a visão sacramental do casamento tal qual a desenvolveu muito tempo depois a Igreja Católica. Era uma visão tão difícil para o povo daquela época como é para o povo de hoje. [p.205]. 

Antes de C. S. Lewis ter formulado suas observações que o Cristo ou é um mentiroso, um lunático, ou Senhor, Chesterton tinha disposto o mesmo problema. O Cristo do Novo Testamento, Chesterton disse, não é uma mera figura mítica. Ele não pode ser só outro professor ético ou até mesmo um bom homem; estes pontos não seriam aceitos por uma pessoa que lesse o Novo Testamento corretamente. O resto da pergunta é: Quem é Cristo? 

Lewis oferece uma resposta direta (Cristianismo puro e simples, p.29): “Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático - no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido - ou então o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la.” 

Chesterton diz Deve haver algo em uma pessoa que tão misteriosa e que inspirou tanta controvérsia quanto Cristo. O Cristo era quem Ele disse que era e é infinitamente mais misterioso que a mente humana finita pode compreender. Nos seus escritos, G. K. Chesterton demonstra que ele é um escritor Cristão que possuiu esses conhecimentos raros e necessários que permitem entender difíceis problemas teológicos e filosóficos e discutidos pelo homem comum. 

Antes de concluir, quero transcrever um texto de uma resenha deste mesmo. Transcrição com a devida autorização: 

“É possível concluir que o Novo Testamento e a própria figura de Cristo seria a última coisa que poderia surgir de forma natural e espontânea, portanto, a sua causa é sobrenatural e divina. Chesterton é até mesmo ousado ao discorrer sobre o impacto do cristianismo no mundo, ele diz que no sepulcro de Jesus toda a grande e gloriosa história da humanidade foi reunida e sepultada junto de Cristo, foi o fim da história meramente humana. As mitologias e filosofias forem enterradas naquele túmulo. O mundo tinha morrido ao longo da noite, mas foi ressuscitado junto de Jesus, naquele dia um novo mundo havia surgido.” [5]

“O corpo foi descido da cruz, e um dos poucos ricos entre os primeiros cristãos obteve permissão para sepultá-lo numa tumba aberta na rocha em seu jardim; e os romanos montaram uma guarda militar para impedir um possível tumulto e a tentativa de recuperar o corpo. Houve mais uma vez um simbolismo natural nesses procedimentos naturais: convinha que a tumba fosse lacrada com todo o sigilo das antigas sepulturas orientais e guardada pela autoridade dos césares. Pois naquela segunda caverna toda a grande e gloriosa humanidade a que chamamos de antiguidade estava reunida e encoberta, e ali foi sepultada. Foi o fim de algo muito grande chamado de história humana, a história que foi simplesmente humana. As mitologias e as filosofias foram ali sepultadas, os deuses e os heróis e os sábios. Na grande frase romana, eles haviam vivido. Mas como só podiam viver, eles só podiam morrer; e estavam mortos. filosofias foram ali sepultadas, os deuses e os heróis e os sábios. Na grande frase romana, eles haviam vivido. Mas como só podiam viver, eles só podiam morrer; e estavam mortos. No terceiro dia os amigos de Cristo vieram para o local ao romper da manhã e encontraram o túmulo vazio e a pedra removida. De várias formas eles perceberam a nova maravilha, mas até mesmo eles mal se deram conta de que o mundo havia morrido naquela noite. O que estavam contemplando era a primeiro dia de uma nova criação, com um novo céu e uma nova terra; e sob as aparências do jardineiro Deus novamente caminhava pelo jardim, no frio não da noite e sim da madrugada” [p.225-226]. 

Portanto, os últimos capítulos destroçam de vez os caluniadores que diziam que a Igreja seria o que ela combateu. Julgaram-na adepta do ascetismo quando ela mesma o combateu; julgaram-na adepta do arianismo quando ela própria disse que o Cristo é Deus Filho; julgaram-na maniqueísta quando ela própria disse que o diabo é apenas mais uma criatura. Disseram que ela deveria ter morrido com o Império Romano; com o fim da Idade das Trevas; com a ascensão do racionalismo e da revolução francesa. Disseram inúmeras vezes que essa ideia, de uma criança nascendo como homem e Deus, deveria desaparecer ou sincretizar. Nada disso aconteceu. 

Para concluir, tem um fato que muito me chamou atenção é o fato de que, Em particular, Chesterton ataca o livro de H.G. Wells, "História Universal", de 1919, que adotava as teses darwinistas das origens evolutivas da humanidade e negava a divindade de Cristo, considerando-o tão somente um líder moral, um místico como outros surgidos ao longo da história: Maomé, Buda, Confúcio etc. Com base em argumentos do tipo "reductio ad absurdum", Chesterton procura demonstrar que, a se adotar a ideia de que a humanidade e a civilização contemporâneas são simplesmente efeito de um processo evolutivo que se aplica a outras espécies naturais, então ter-se-ia de admitir que o homem é um tipo absolutamente único e bizarro de animal, ainda mais estranho e absurdo do que a criatura proposta pela crença cristã. 

Da mesma forma, a considerar Cristo apenas como mais um na fila crescente dos fundadores de religião, ter-se-ia que admitir que não há nenhum tão excêntrico, misterioso, dramático ou alucinado como ele. 

Portanto, é fácil descartar Chesterton como um reacionário face às novas descobertas da ciência. No entanto, o quadro que esboça em "O Homem Eterno" é mais complexo. Por mais que o leitor partilhe dos pressupostos ateus, evolucionistas e materialistas que ele combate, não tem como se impedir de admirar a capacidade inesgotável de Chesterton para fazer do que parece verdade certa o objeto de um saco de piadas engraçadas e inteligentes. Tiradas impagáveis em série derretem as provas científicas em falácias ecoadas por "dez mil línguas de fofoqueiros" a falar do que não sabem, com pedantismo. Como explicá-lo? Não se trata apenas de habilidade com as palavras, ou do vasto repertório letrado que ele mobiliza para construir argumentos que parecem cair como chuva ou brotar como capim, isto é, com a facilidade do óbvio. O que há de mais intrigante, e paradoxalmente libertário, em Chesterton, é que, ao obrigar o discurso científico a recuar sobre si mesmo e admitir que não dispõe de provas suficientes para reduzir as outras crenças a mitologias idiotas, ele atua não apenas como o publicista conservador de uma religião, mas como um crítico de todo totalitarismo intelectual.

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[1] PEARCE, Joseph. G.K.Chesterton: sabidúria e inocencia. Madrid: Encuentro. 2009. p. 389.
[2] “Chesterton lança seu encantamento sobre Tolkien”. Tradução do artigo Chesterton Casts a Spell on Tolkien, escrito por Joseph Pearce.
[3] Na mitologia grega, Ganimedes era um príncipe de Tróia, por quem Zeus se apaixonou. Nas imediações de Tróia, o jovem cuidava dos rebanhos do pai, quando foi avistado por Zeus. Atordoado com a beleza do mortal, Zeus transformou-se em uma águia e raptou-o, possuindo-o em pleno vôo. Ganimedes foi levado ao Olimpo e, apesar do ódio de Hera, substituiu a deusa Hebe e passou a servir o néctar aos deuses, bebida da imortalidade, derramando, os restos sobre os homens. Em homenagem ao belíssimo jovem, Zeus colocou-o na constelação de Aquário.
[4] Se Platão deu conta de que a homossexualidade explícita do mito de Ganimedes poderia envergonhar tantos os deuses como a cultura helénica apressadamente atribuiu o mito aos cretenses. Ora, ao fazê-lo deixou-nos uma nova informação: a de que a celebridade do vício sodomita cretense era sobejamente conhecida no mundo antigo confirmando os vários mitos recolhidos
[5] Alessandro Ramos, in: https://95app.com.br/2018/01/26/review-o-homem-eterno-de-g-k-chesterton/. Acesso em 11 Ago. 2018

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